Foto Rafael Passos
QUINCAS
Everaldo
Vasconcelos – A cena Tabajara
http://cenatabajara.blogspot.com.br/
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O teatro é uma arte de convenções
desde o principio definidor de sua existência que é uma relação de cumplicidade
entre atores e espectadores acerca do que irá se passar no espaço cênico. Este
lugar de possibilidades imaginativas é uma das marcas da cultura humana em
todos os tempos e tem adquirido formas adequadas a cada momento da
história da civilização.
A arte do espetáculo teatral é,
portanto uma arte de encontros de imaginações, através do palco; este espaço
sagrado chama a participação dos espectadores que dão sentido ao que ocorre.
O palco é este lugar de encontro,
funcionando como um espelho para o mundo da estória, pois os espectadores são
chamados por este reflexo para aquele mundo interior e fabular. Este é um
conceito da gramática transformacional do espetáculo teatral tal como ensinou
Jean Alter em sua sóciosemiotica do teatro.
O espetáculo teatral é repleto
de possibilidades que dependem do modo como os elementos transformacionais,
tais como se fossem como espelhos, refletem o mundo da estória de tal modo que
os espectadores a reconstruam com as suas imaginações.
O espetáculo Quincas, do grupo de
Teatro Os Fodidários é um bom exemplo do uso destes elementos
transformacionais, tal como pedaços de um grande espelho que vão refletindo
aspectos e compondo um quadro geral da trajetória de vida e morte de Quincas
Berro d’água.
Neste espetáculo o universo do
romance de Jorge Amado, não foi somente adaptado no sentido clássico que se dá
a este termo. Ao contrário, o diretor optou por reconhecer a complexidade
do mundo original de Quincas Berro d’água. Jean Alter diz que o mundo da
estória existe com certa independência cabendo ao encenador através dos
recursos especulares da gramática transformacional, que são: a reprodução, a
diminuição, o exagero, a distorção, ou reinvenção, reconstruir para os
espectadores aquele universo de modo a provocar a participação da platéia com
as suas construções mentais.
O diretor Daniel Porpino de modo
inteligente manipula recursos narrativos do teatro de acordo com a gramática transformacional
descrita por Jean Alter, proporcionando uma narrativa não linear da
estória, mas que é recomposta por todos os espectadores em suas mentes.
Estes recursos narrativos lembram o
teatro épico brechtiano, que foram usados no espetáculo, e manipulados com
extrema agilidade, tanto do ponto de vista do arranjo cenográfico, do uso
dos elementos de cena e o trabalho dos atores.
A multiplicidade de
significações que cada elemento cênico adquire, inclusive o principal deles que
é água, que serve para tudo e tem tamanha carga semântica que possibilita
vários vieses de leitura. O palco é na verdade um mar de representações,
literalmente.
O espetáculo provoca deliberadamente
os sentidos dos espectadores,a visão, a audição, o olfato, o paladar e o
tato. O olfato é acendido quando derramam propositalmente aguardente na borda
do palco. O paladar é trazido quando se faz cair do teto uma galinha assada que
é degustada pelos atores de forma grotesca provocando, ou o asco ou água na
boca dos espectadores.
Esta provocação dos sentidos como um
dos elementos especulares para o mundo da fábula onde vivia o Quincas
Berro d’água, provoca na platéia um efeito hipnótico sugando
todos para dentro do evento, um bom exemplo desse efeito, é uma das cenas, na qual
os quatro atores montam um conjunto musical e tocam uma canção usando
como instrumentos, um violão sem cordas, um acordeom que não toca nada,
uma flauta que não emite som e um chocalho mudo, e no entanto a platéia
se embala com a serenata escutando a música que existe somente no plano
invisível do jogo imaginativo.
É um teatro épico carregado de
contemporaneidade. O espetáculo questiona a liberdade, o direito de ser
feliz do modo que se é sem concessões a qualquer autoridade. É um espetáculo
anarquista pois não reconhece minimamente qualquer poder político a não
ser aquele que pode ser estabelecida pela comunidade de atores. Neste sentido,
lembra o conceito de zona autônoma temporária (TAZ), do filósofo Hakin
Bey, que evoca o sentido revolucionário das comunidades e dos indivíduos, que
estabelecem as suas próprias leis, como fizeram os Fodidários com este
espetáculo que convida os espectadores para compartilharem da vida e morte da
personagem Quincas Berro D’água.
O espetáculo tem a participação de
atores brilhantes, que atuam em consonância com este jogo cênico. Eles
cantam, dançam e se divertem muito em cena com uma segurança tão plena do que
fazem que os espectadores chegam a abstrair que estão diante de uma
representação, pois eles conseguem atrair a todos para o seu jogo para
compartilharem de suas energias. São eles: Thardely Lima, genial, seguro
de sua presença em cena; Dudha Moreira, absolutamente cativante cantando e
brincando o jogo cênico; Ana Marinho, bela e com amplo domínio do palco e
Odécio Antonio, brilhante ator que completa este quarteto fantástico. Estes
atores fazem todas as personagens necessárias à estória de Quincas Berro água. A direção musical é
maravilhosa. A iluminação de Fabiano Diniz cria os climas necessários. Os figurinos
também são impecáveis. A produção do Grupo Os Fodidários mostra um extremo zelo
com o público e profissionalismo em todos os aspectos.
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