É estimulante saber também que o trabalho e o grupo surgem como o sumo de um curso de especialização universitária, têm berço na academia. É uma ótima noticia porque confirma aqui na Paraíba o que é possível verificar em alguns outros Estados: a universidade como lugar da formação e da inquietação artísticas verdadeiras e como ponto potencial ao encontro e geração de prática e pensamento para o teatro. Oficina onde podem ser forjadas chaves importantes dessa arte, sem compromissos outros que não sejam o de abrir as portas para ela mesma, os seus sentidos e possibilidades de intervenção.
OsFodiDario têm como base de expressão a longa tradição dos tipos cômicos que, vindos do teatro antigo, encontram espaço de revisão na Comedia Dellart e seguem inspirando, em forma e propósitos, a cena contemporânea, nos modos de atuação de artistas como Dario Fo – padrinho virtual do grupo - ou na dramaturgia de Suassuna e, como vimos, de Racine Santos.
O mais interessante aqui é que esta herança tipológica ganha o chão da cultura local de uma maneira muito apropriada. Se por um lado o uso da máscara e da gestualidade características remetem àquela tradição, por outro estes elementos atualizam-se saborosamente, em um jogo que assimila um tipo de expressão, o espírito e o comportamento que fazem ver, por assim dizer, uma brasilidade radical. É claro que neste pacote não podemos deixar de considerar o próprio contexto da farsa. Através de um canovaccio relativamente simples envolvendo putas e autoridades de gravata e cassetete ela nos fala destes lugares reais da nossa própria sociabilidade, em que a coisa pública é usurpada cinicamente pelo privado e em que o espírito de conciliação, o nosso “jeitinho”, ainda hoje tomado como valor positivo, perpetua as práticas nada engraçadas de uma cultura política autoritária, inspirada nas relações de favor e de mando, bem antes da preocupação com o bem comum e com a assunção das diferenças.
Esta leitura só pode ser feita graças à objetividade e clareza que pautam o espetáculo. O texto adaptado de Racine Santos é direto, com seu esquema sem muitas curvas, mas sempre munido da inteligência irônica nos diálogos. O elenco está afinado em relação aos treinamentos atorais que foram necessários para as cenas e, melhor, consegue equilibrar os recursos técnicos da linguagem com o necessário espírito livre do improviso, sem o que outros trabalhos do gênero acabam caindo em aborrecido formalismo.
Como nota final a este promissor início do grupo paraibano fica a questão do sentido final do espetáculo. Há dúvida sobre se a fábula, ao totalizar as situações praticamente no mesmo lugar do início, não acaba por reforçar a idéia de uma “natureza” incontornável do processo histórico. Algo como dizer: a vida é assim mesmo, feita por salafrários oficiais e por nós, vítimas destes. Esta leitura não faz jus à mordacidade e ao conteúdo crítico do trabalho, mas é viável e não é irrelevante. De todo modo não deixa de representar, talvez acidentalmente, um contraponto curioso em época na qual o tema da moralização do processo político e a preocupação com a ficha limpa dos senhores que nos governam estão na pauta do dia.
Oi gente! Sêmo nóis...
ResponderExcluirBela crítica do Kil. bjs
Jô